João Zeferino da Costa (Rio de Janeiro RJ 1840 - idem 1915)
Pintor, desenhista, decorador, professor.
Em 1857, ingressa na Academia Imperial de Belas Artes - Aiba. É orientado em pintura histórica por Victor Meirelles (1832 - 1903). Em 1868 recebe, pela composição Moisés Recebendo as Tábuas da Lei, ca.1870, o prêmio de viagem ao exterior. Parte para Roma, onde estuda com mestres renomados na Accademia di San Luca. Torna-se aluno de Cesare Mariani (1826 - 1901), autor de pintura histórica e decorador de igrejas. Retorna ao Brasil em 1877. É nomeado professor da Aiba, atividade que exerce até o fim da vida, tendo lecionado pintura histórica e paisagem até fixar-se definitivamente na cadeira de desenho. Em 1879 envia para a Exposição Geral de Belas Artes, 17 obras, entre as quais a tela A Pompeiana, 1879, que é duramente criticada por Gonzaga Duque (1863 - 1911). Talvez por esse motivo, após esta data nunca mais participa de exposições públicas. Em 1878, é escolhido pelo imperador dom Pedro II (1825 - 1891) para elaborar as pinturas da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, consideradas sua principal obra. Na cúpula pinta o tema da Virgem rodeada pelas virtudes da Fé, Esperança, Caridade, Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança e, na capela-mor, diferentes cenas da vida da Virgem. Viaja novamente a Roma para realizar estudos para os painéis que compõem a nave central da Candelária. Para esse trabalho, tem a colaboração de diversos alunos, entre eles Castagneto (1851 - 1900), Oscar Pereira da Silva (1867 - 1939), Pinto Bandeira (1863 - 1896), Augusto Rodrigues Duarte (1848 - 1888). Em 1890, torna-se vice-diretor e professor de desenho de modelo-vivo da Escola Nacional de Belas Artes - Enba. Em 1917, dois anos após a sua morte, é publicado Mecanismos e Proporções da Figura Humana, livro de sua autoria ilustrado com diversos de seus desenhos.
Comentário Crítico
Discípulo de Victor Meirelles, Zeferino da Costa possui uma obra marcadamente dedicada a temas religiosos. O aprendizado com Cesare Mariani (1826 - 1901), aluno de Tommaso Minardi (1787 - 1871), fomenta em da Costa o amor ao tema sacro e às grandes decorações religiosas. A predileção por temas bíblicos já se evidencia nas telas do início de sua carreira, como Daniel na Cova dos Leões e Moisés Recebendo as Tábuas da Lei, ca.1870, e as produzidas durante sua estada em Roma, como São João Batista no Deserto. O nu feminino representado em A Pompeiana, 1879, - criticado por Gonzaga Duque como uma cocotte besuntada com óleos aromáticos, um trabalho inglório, ruim1 - traz uma certa afetação. Mais interesse despertam outras obras de sua mocidade, como o O Óbulo da Viúva, 1876, e A Caridade, 1872, pelos efeitos de claro-escuro, pelo modelado das figuras e pela correção anatômica. Também de temática religiosa, são obras que permitem perceber as razões de seu prestígio na Academia Imperial de Belas Artes - Aiba, bem como os motivos que o levam a ser considerado um conservador e um herdeiro da tradição. A inequívoca propaganda da virtude da caridade, representada pela senhora que visita a casa de uma família pobre trazendo provisões, encerra uma clara mensagem moral. O mesmo tema está presente em O Óbulo da Viúva, cena que retrata o gesto nobre da personagem que oferece aos pobres o pão que lhes falta. Em ambos os trabalhos, nota-se a organização teatral da cena.
Zeferino da Costa exerce grande influência como professor. Orienta vários artistas, entre eles Augusto Rodrigues Duarte, Baptista da Costa (1865 - 1926), Castagneto, Belmiro de Almeida (1858 - 1935), Henrique Bernardelli (1858 - 1936), Rodolfo Amoedo (1857 - 1941), Oscar Pereira da Silva (1867 - 1939), Firmino Monteiro (1855 - 1888), Rodolfo Chambelland (1879 - 1967) e Lucílio de Albuquerque (1877 - 1939). Adota orientação mais progressista e apóia movimentos estudantis pela modernização do ensino artístico, às vésperas da República. No ano de 1875, envia uma carta aos professores da Aiba, na qual propõe que, nas aulas de desenho, as gravuras utilizadas como modelos sejam substituídas por fotografias, tal como era então feito na Europa. Segundo o pesquisador Alfredo Galvão, "esforçou-se, antes de Jorge Grimm e Antônio Parreiras, para que os alunos de paisagem fizessem os estudos ao ar livre".2
Considerado um mestre na composição e desenhista talentoso, nas grandes decorações da Igreja de Nossa Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro, nota-se seu domínio da técnica, ao resolver grandes espaços com auxílio de um desenho sólido e de discreta palheta. Alguns estudiosos, contudo, apontam diferenças entre os painéis da Virgem, mais suaves e etéreos, e as cenas da nave central, que retratam os episódios da fundação do templo, em que Zeferino adota um desenho mais objetivo e documentário.3 Sua obra considerada mais significativa é a série de seis painéis que decoram a nave central da Igreja. Os painéis narram diversos momentos da história que leva à fundação do templo: a partida de Antonio Martins de Palma; o grande temporal e a promessa, quando a virgem da Candelária é invocada; a chegada ao Rio de Janeiro; a inauguração da Primeira Capela; o lançamento da pedra fundamental da grande igreja, em 1775, e a inauguração da Igreja, com a sagração solene em 1810. A minúcia da reconstituição do período chama a atenção nessa série de painéis.
Para o crítico de arte José Roberto Teixeira Leite, a pintura de Zeferino da Costa é tecnicamente correta, seguindo a tradição européia, mas fria e sem vibração. De acordo com o crítico de arte Laudelino Freire "não se lhe pode negar a qualidade de operoso; mas também não se pode deixar de reconhecer que foi sóbrio em sua produção, toda ela representada parte naquela Igreja e parte recolhida à Escola de Belas Artes".4
Notas
1 Comentando as obras enviadas por Zeferino da Costa à Exposição de Belas Artes em 1879, Gonzaga Duque tece severas críticas à A Pompeiana, afirmando que "É incompreensível este inglório trabalho, este de retratar cocottes esbodegadas, em um moço de grande talento e de grandes aptidões de artista. Qual a causa de aparecer pompeana esta ruim, esta ignóbil figura, lavada em óleo, emplastada de gorduras aromáticas, besuntada de veloutine para disfarçar a alambuzada estrutura de suas formas? Pompeana por quê?" Apud LEITE, José Roberto Teixeira. 500 anos da pintura brasileira. CD-ROM. Rio de Janeiro: Log On Informática, 1999.
2 GALVÃO, Alfredo. João Zeferino da Costa. Rio de Janeiro: Departamento Gráfico do Museu de Armas Ferreira da Cunha, 1973.
3 TAVARES, André. Acerca de Zeferino da Costa e da pintura para a Igreja de Nossa Senhora da Candelária. Rotunda, Campinas, número 1, abril de 2003.
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Críticas
"A arte não deve ser prostituída e eu aconselho aos novos discípulos da Escola de Belas Artes as obras de João Zeferino da Costa como exemplo de precisão e de consciência. Observando o desenho firme e sem artifício, a maestria de suas composições, a discrição das cores e sobretudo a probidade de suas telas e da sua vida é bem possível que procurem imitá-lo e desse modo o futuro artístico do Brasil será garantido".
Virgilio Mauricio
MAURICIO, Virgilio. Zeferino da Costa. In: _______. Algumas figuras. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello, 1918. p. 44.
"Não chegou a alcançar a popularidade de um Victor Meirelles ou um Pedro Américo, mas gozou de grande reputação no mundo artístico. Sobrevivendo a ambos, tornou-se a figura mais respeitada da pintura brasileira, o último descendente da geração heróica do Segundo Reinado na Escola Nacional de Belas Artes. (...) A pintura de Zeferino da Costa mostra certa afinidade com a de Victor Meirelles. Em ambos constatamos qualidades notáveis de colorista: a tinta bem compreendida em seus efeitos de transparência e luminosidade, a técnica de uma emoção controlada, a composição plácida atestando uma linguagem poética muito sensível. (...) Os estudos de cabeça, tão numerosos na obra dos dois artistas, ainda acusam maior semelhança. Patenteia, contudo, um temperamento mais ativo a pintura de Zeferino, e mais lírico a de Victor".
Lígia Martins Costa
AYALA, Walmir (Org.); CAVALCANTI, Carlos (Org.). Zeferino da Costa. In: _______. Dicionário brasileiro de artistas plásticos - A - C. Apresentação Maria Alice Barroso. Brasília: MEC: INL, 1973. p. 493. (Dicionários especializados, 5).
"(...) [Destaca-se] a predileção do artista pelos gêneros histórico e religioso, e a excepcional aptidão que possuía para o desenho e para o modelado da figura humana. Juntamente com Victor Meirelles e Pedro Américo, integrou representativo núcleo de pintores do Segundo Reinado, favorecendo e estimulando a evolução da pintura brasileira através de notáveis conquistas, tanto para a geração que protagonizaram quanto para a que os sucedeu. O artista não se permitiu seduzir pela fugacidade do sucesso que merecidamente alcançou em sua longa estada em Roma, quando pensionista brasileiro. Nesse ambiente, trabalhou intensamente, não se desviando do rigor e da disciplina que seu objetivo de aprimoramento determinava, ocasião em que encontrou apoio na severa convivência com seu mestre Cesare Mariani, pintor de história de grande reputação e rígida formação. Desse período é o melhor segmento de sua obra, cujos principais exemplares encontram-se no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Essa produção revela o domínio do artista sobre a técnica e os valores pictóricos, integrados, com controlada emoção, à paciente observação, ao exímio desenho, à sobriedade da paleta e à boa compreensão dos efeitos da luz".
Maria Elizabete Santos Peixoto
PEIXOTO, Maria Elizabete Santos. João Zeferino da Costa: 1840-1915. In: LEVY, Carlos Roberto Maciel. Iconografia e paisagem: cultura Inglesa collection. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1994.
Acervos
Acervo Banco Itaú S. A. - São Paulo SP
Igreja de Nossa Senhora da Candelária - Rio de Janeiro RJ
Museu Dom João VI/UFRJ - Rio de Janeiro RJ
Museu Nacional de Belas Artes - MNBA - Rio de Janeiro RJ
Exposições Coletivas
1860 - Rio de Janeiro RJ - 14ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba
1862 - Rio de Janeiro RJ - 15ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba
1865 - Rio de Janeiro RJ - 17ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba
1867 - Rio de Janeiro RJ - 19ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba
1872 - Rio de Janeiro RJ - 22ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba
1875 - Rio de Janeiro RJ - 23ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba
1879 - Rio de Janeiro RJ - 25ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba
1884 - Rio de Janeiro RJ - 26ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba
Exposições Póstumas
1916 - Rio de Janeiro RJ - 23ª Exposição Geral de Belas Artes, na Enba
1940 - Rio de Janeiro RJ - Zeferino da Costa: retrospectiva, no MNBA
1940 - São Paulo SP - Exposição Retrospectiva: obras dos grandes mestres da pintura e seus discípulos
1948 - Rio de Janeiro RJ - Retrospectiva da Pintura no Brasil, no MNBA
1950 - Rio de Janeiro RJ - Um Século de Pintura Brasileira: 1850-1950, no MNBA
1982 - Rio de Janeiro RJ - Exposição de seis quadros a óleo sobre madeira, estudos para as pinturas do teto da nave central da Igreja da Candelária, na Leone Galeria de Arte
1984 - São Paulo SP - Tradição e Ruptura: síntese de arte e ecultura brasileiras, na Fundação Bienal
1985 - São Paulo SP - 100 Obras Itaú, no Masp
1989 - São Paulo SP - Pintura Brasil Século XIX: obras do acervo Banco Itaú, na Itaugaleria
1991 - São Paulo SP - O Desejo na Academia: 1847-1916, na Pinacoteca do Estado
2000 - Porto Alegre RS - De Frans Post a Eliseu Visconti: acervo Museu Nacional de Belas Artes - RJ, no Margs
2001 - São Paulo SP - Trajetória da Luz na Arte Brasileira, no Itaú Cultural
2001 - São Paulo SP - 30 Mestres da Pintura no Brasil, no Masp
2002 - São Paulo SP - Imagem e Identidade: um olhar sobre a história na coleção do Museu de Belas Artes, no Instituto Cultural Banco Santos
Fonte: Itaú Cultural