Alair Gomes (Valença RJ 1921 - Rio de Janeiro RJ 1992)
Fotógrafo, filósofo, professor e crítico de arte.
Alair de Oliveira Gomes, em 1944 gradua-se em engenharia civil na Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Dois anos depois, funda a revista literária Magog, com o poeta Marcos Konder Reis (1922 - 2001) e outros. Em 1948, abandona a engenharia para estudar física, matemática, filosofia e biologia. Torna-se professor do Instituto de Biofísica do Rio de Janeiro, em 1958. Recebe bolsa da Fundação Guggenheim, em 1962, e permanece cerca de um ano realizando pesquisas na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. A partir do fim dos anos 1960, dedica-se com constância à fotografia e à crítica de arte. A maior parte de suas imagens são seqüências de nus masculinos e fotos de rapazes feitas da janela de seu apartamento, na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, além de registros do carnaval carioca. Nessa cidade, de 1977 a 1979, trabalha como coordenador na área de fotografia da Escola de Artes Visuais do Parque Lage - EAV/Parque Lage, onde desempenha um importante papel como educador no campo das artes plásticas e da filosofia. Entre 1976 e 1984, participa de mostras coletivas em Nova York, Paris, Rio de Janeiro e Toronto. Em 2001, a Fundação Cartier de Arte Contemporânea, em Paris, realiza uma mostra retrospectiva de sua obra com imagens que integram o acervo da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.
Comentário Crítico
Engenheiro de formação, filósofo, escritor, estudioso e crítico de arte, Alair Gomes dedica-se à fotografia nos últimos 26 anos de sua vida e produz um conjunto de aproximadamente 170 mil negativos cujo tema central é a beleza do corpo masculino. De teor confessional e narrativo, o sentido de sua poética é construído, sobretudo, no processo de edição e de organização desse material. As imagens não são composições autônomas, elas integram seqüências montadas com base em noções de ritmo e relações formais estabelecidas entre as fotos.
Gomes classifica e intitula as séries como se fossem peças musicais. Um dos conjuntos mais ambiciosos, Symphony of Erotic Icons é composto de 1.767 fotos de nus masculinos agrupadas em cinco seções: Allegro, Andatino, Andante, Adágio e Finale. Antes de fotografar, trabalha durante dez anos em textos que descrevem minuciosamente o corpo de seus amantes e relatam seus encontros com eles, os Diários Eróticos. Realizada entre 1966 e 1977, em seu apartamento, Symphony of Erotic Icons é uma conseqüência e complementação desses escritos. Segundo Gomes, a obra deveria ser como uma "viagem sobre o corpo masculino jovem".1 Ela tem um caráter descritivo: mostra corpos fragmentados, contorcidos, virados de cabeça para baixo ou registrados em pé, como se fossem esculturas clássicas. A intenção de promover uma fusão integral entre arte e vida, tão cara às vanguardas artísticas dos anos 1960 e 1970, é plenamente concretizada. A seqüência revela um jogo de sedução e de entrega entre fotógrafo e modelo. Não há concessões, tampouco inibições. Ele mostra tórax, abdômen, pênis, detalhes de dobras, pêlos, e enquadramentos de troncos e quadris que mimetizam a imagem do falo ereto. Agindo como se estivesse embriagado, sua intenção não é retratar indivíduos particularmente, mas mostrar a repetição de um ideal de beleza, além do prazer de ver e de ser visto. O montante de imagens dá ao trabalho uma dimensão sublime e deixa claro que o motor central da produção é o fascínio obsessivo pelos corpos.
A sinfonia é seguida de uma série de "peças" menores chamadas Sonatinas Four Feet, realizadas entre 1966 e 1986. Nelas, o voyeurismo é acentuado, pois mostram rapazes na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, fotografados a distância com uma teleobjetiva da janela de seu apartamento. Na praia lotada, o artista enfoca os garotos em momentos de lazer, fazendo ginástica ou conversando. Muitas vezes, o sol tropical refletido na areia branca contribui para isolar a cena e afastá-la de uma conotação realista. A câmera está parada, provavelmente num tripé, e há quase sempre um elemento fixo (uma árvore, uma mesa ou um banco, por exemplo) que se repete na sucessão de fotos. O enquadramento estático e a regularidade conferem ritmo ao conjunto e enfatizam o movimento dos corpos que, por vezes, parecem dançar. Nessas seqüências, o fotógrafo não age diretamente sobre o acontecimento, apenas observa e registra. Sua intervenção se dá posteriormente, na montagem, quando cria narrativas enigmáticas sugerindo jogos eróticos. Além disso, a cadência das imagens proporciona prazer visual ao observador.
Outro conjunto que merece destaque são os Trípticos de Praia. Nesses trabalhos, há uma maior preocupação em relação à composição e à harmonia entre as fotos, já que a atenção do espectador se detém por mais tempo em cada uma delas. As sombras são duras e marcadas, os exercícios destacam os músculos e a sinuosidade do corpo masculino. A opção pelo tríptico (um formato comum em imagens religiosas) e o fato de algumas fotos serem chamadas de "ícones" sugerem a devoção ao tema eleito. Segundo o crítico Christian Caujolle: "Para Alair, a sexualidade e a beleza representam a essência do ser humano e sua melhor possibilidade de contato com o divino".2
As formas seqüenciadas e ritmadas aproximam sua obra da música e do cinema. Embora o cunho homoerótico seja evidente, os conjuntos não se configuram como um discurso em defesa do homossexualismo. Antes disso, testemunham um desejo compulsivo, e espelham o mundo ideal imaginado pelo artista.
Notas
1 GOMES, Alair. A brief characterization of the 5 movements of the Symphony of Erotic Icons. In: ALAIR GOMES. Foundation Cartier pour l'art Contemporain. Paris: Foundation Cartier pour l'art Contemporain; Thames & Hudson, 2001.
2 CAUJOLLE, Christian. Music on the Beach. In: ALAIR GOMES. Foundation Cartier pour l'art Contemporain. Paris: Foundation Cartier pour l'art Contemporain; Thames & Hudson, 2001.
Críticas
"(...) Alair Gomes tenta impedir que o presente escorra, levando no seu ímpeto tudo o que, como viam os gregos, é perfeito, íntegro e belo. A aventura respira desespero, e é no contraste entre esplendor e ameaça que a sua fotografia se ilumina. De câmera na mão, ele sai em busca desses corpos para estátua. Fotografa-os de surpresa, muito de perto, na resistência ou na complacência do modelo. Ou, de longe do parapeito de sua janela dando para a praia, entra sorrateiramente numa intimidade que se expõe como se não o quisesse, amplia os jogos de espelho de múltiplos narcisismos, rouba o corpo de alguém pela sua imagem. Os milhares de fotos assim metralhados, tal como os milhares de palavras antes postos no papel, armam um diálogo perturbador entre a naturalidade e a pose, a entrega e o furto, o fulgor e a sombra, a cristalização e a decomposição. Tão próximo, tão magnificente, tão palpável, o corpo luta por nunca mais sair da foto: sabe que lá fora o aguarda seu contrário. O combate é tanto sinfônico quanto camerístico. Na estrutura musical, Alair Gomes encontra o melhor fio condutor para as suas seqüências. A música dá essa impressão de um esplendor à margem da morte: é estritamente feita do presente. (...)"
Roberto Pontual
PONTUAL, Roberto. Imagem: alma do corpo, corpo da alma. In: FOTOGRAFIA contemporânea no Brasil: corpo & alma. Rio de Janeiro: Funarte: Infoto, 1984. n. p.
Acervos
Fundação Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro RJ
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ) - Rio de Janeiro RJ
Museu de Arte Moderna de Sâo Paulo (MAM/SP) - São Paulo SP
Exposições Coletivas
1976 - Nova York (Estados Unidos) - Walker Street Gallery
1977 - Bolonha (Itália) - The Art Fair
1978 - Minas Gerais - Salão de Carnaval Brasil
1980 - Rio de Janeiro RJ - Shopping Cassino Atlântico
1984 - Rio de Janeiro RJ - Trípticos de Praia, na Faculdade Cândido Mendes
1984 - Rio de Janeiro RJ - Frisos, na Faculdade Cândido Mendes
1984 - Rio de Janeiro RJ - Sonatinas a 4 Pés, na Faculdade Cândido Mendes
1984 - Paris (França) - Corpo e Alma, Photographie Contemporaine au Brésil, no Espace Latin-American
1984 - São Paulo SP - 1ª Quadrienal de Fotografia, no MAM/SP
1986 - Rio de Janeiro RJ - O Rio e o Mar, no Centro Cultural Laura Alvim
1987 - Rio de Janeiro RJ - Arte em Papel, na Galeria de Arte 20
1987 - Rio de Janeiro RJ - Ipanema Exposta, no Centro Cultural Cândido Mendes
1989 - Rio de Janeiro RJ - 13º Salão Carioca de Arte, na Estação Carioca do Metrô
Exposições Póstumas
1993 - Rio de Janeiro RJ - Arte Erótica, no MAM/RJ
1994 - San Francisco (Estados Unidos) - Contemporary Brazilian Photography: a selection of photographs from the collection of Joaquim Paiva, no Yerba Buena Center for the Arts
1995 - Rio de Janeiro RJ - Fotografia Brasileira Contemporânea, no CCBB
1995 - Rio de Janeiro RJ - Libertinos/Libertários
1996 - Curitiba PR - Bienal de Fotografia de Curitiba - sala especial
1999 - São Paulo SP - Fotógrafos e Fotoartistas na Coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo: fotografia contemporânea brasileira, no Espaço Porto Seguro de Fotografia
2000 - São Paulo SP - Ars Erótica: sexo e erotismo na arte brasileira, no MAM/SP
2001 - Paris (França) - Alair Gomes, na Fondation Cartier pour l'Art Contemporain
2002 - Rio de Janeiro RJ - Artefoto, no CCBB
2002 - São Paulo SP - 11ª Coleção Pirelli/Masp de Fotografias, no Masp
2002 - São Paulo SP - Fotografias no Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, no MAM/SP
2002 - São Paulo SP - Visões e Alumbramentos: fotografia contemporânea brasileira da coleção Joaquim Paiva, na Oca
2003 - Brasília DF - Artefoto, no CCBB
2003 - Rio de Janeiro RJ - Corpus, no MAM/RJ - Espaço Gilberto Chateaubriand
2003 - Rio de Janeiro RJ - Vinte e Cinco Anos: Galeria de Arte Cândido Mendes, na Galeria Candido Mendes
2003 - São Paulo SP - Metacorpos, no Paço das Artes
Fonte: Itaú Cultural