Nova interpretação sobre “Abaporu” de Tarsila do Amaral
“Num dia, estava Tarsila sentada no chão, pensando. Talvez, nua – já que fazia muito calor. Ou com alguma roupa colada ao corpo. Provavelmente, como de hábito, usava os cabelos presos. Devia estar com a mão apoiada na cabeça, as pernas juntas, os pés descalços. Diante dela, havia um grande espelho. Por acaso. O espelho ficava apoiado, de forma inclinada, numa parede – sobrinha da pintora, Helena do Amaral Galvão Bueno diz se lembrar perfeitamente da casa na Rua Barão de Piracicaba; segundo ela, junto ao quarto-ateliê de Tarsila havia um corredor e, nele, um grande espelho, assim, posto no chão, apenas encostado na parede. O reflexo, distorcido por conta da posição inclinada do espelho, mexeu com a imaginação da artista. Foi um estalo. Ela sabia perceber a poesia nos detalhes, tinha esse faro artístico aguçado de quem não enxerga o óbvio nas coisas, mas vai além. Tarsila viu na cena uma oportunidade de criação. No espelho, a cabeça da artista aparecia bem pequena. O pé, gigante. Seus olhos de pintora se encantaram com aquela visão inusitada, diferente e, por isso mesmo, interessante. Tarsila deve ter gastado muito tempo se observando. Horas, talvez. O pé imenso… A cabeça, minúscula… A boca e os olhos quase sumindo, a mão caída ao lado do pé grande… Que figura diferente! Aquela imagem lhe parecia provocativa, ousada, perfeita, bem-humorada. Ficou gravada em sua retina, grudada em seu pensamento. Tornou-se uma insistente obsessão.”
Esse é um trecho do livro-tese de Tarsilinha do Amaral entitulado “Abaporu: Uma Obra de Amor” livro em que, a sobrinha-neta de Tarsila do Amaral defende a ideia de que a obra “Abaporu” foi um auto-retrato da artista nua, sentada no chão em frente a um grande espelho reclinado na parede. A criação do livro foi a maneira que a autora encontrou para apresentar ao mundo uma nova interpretação da tela mais valorizada da história da arte brasileira, porém Tarsilinha afirma “Com este livro, não quero mudar a brilhante ideia que Oswald de Andrade teve ao achar que o Abaporu era o homem plantado na terra. O importante é que fique também clara a inspiração da obra, a parspicácioa de Tarsila do Amaral – sua capacidade de transformar uma cena do cotidiano, do acaso, no mais famoso quadro brasileiro de todos os tempos”.
Os argumentos de que a obra seria de fato um auto-retrato vêm de observações na tela que mostram no pé o segundo pododáctilo maior que o primeiro, o hálux (assim seria o pé de Tarsila) e de memórias dos familiares que confirmam a existência de um grande espelho reclinado sobre a parede próximo ao quarto-ateliê da artista.
Trecho do livro retirado do site do Estadão.