Marcelo Farias Coutinho (Campina Grande PB 1968)
Artista visual.
Inicia a atividade profissional, em meados da década de 1980, como quadrinista e ilustrador em jornais e revistas do Recife, cidade na qual reside a partir de 1986. Forma-se em artes plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife, onde atualmente é professor do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística. É mestre em comunicação por essa universidade e doutor em artes visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coutinho é um dos participantes do Grupo Camelo, juntamente com Ismael Portela (1962) e Paulo Meira (1966). Em 2004 é contemplado com a Bolsa Vitae de artes visuais.
Comentário Crítico
A poética de Marcelo Coutinho desenvolve-se em estreita ligação com questões da linguagem verbal, muitas vezes trazendo tais questões para dentro da própria obra, como é o caso da instalação Africo, 1999, na qual palavras inventadas por ele e suas respectivas definições são decalcadas nas paredes do espaço expositivo em forma de verbetes. Coutinho pensa a linguagem como "instrumento desejoso", com a ânsia de trazer à tona e clarificar o que permanece obscuro, não dito, não expresso. Esse desejo, porém, esbarra nas limitações da linguagem e de sua incapacidade de tudo dizer, restando sempre algo existente, porém indistinto. Ao mesmo tempo, as palavras traduzem o desejo de tornar presente o que está ausente: é assim que uma narrativa evoca um acontecimento passado ou um nome substitui a pessoa ou coisa referida.
Em texto publicado em 1999, Marcelo Coutinho escreve: "Podemos dizer que todo objeto de arte possuiria algo básico de ex-voto, de objeto votivo. Toda obra de arte seria um objeto desejoso". Dessa maneira, o objeto de arte e a linguagem trariam em si, como elementos comuns, uma ausência e um desejo, que funcionariam como forças motrizes, gerando construções e reconstruções de sentido, num fluxo contínuo. Não por acaso, Coutinho expõe, como parte da instalação Arra olo raar, 2007, uma vitrine contendo "oito anos de unhas cortadas", signos de um processo de formar e reformar.
Críticas
"Conhecendo o desamparo que a ausência da palavra certa provoca, Marcelo Coutinho busca, através da criação de verbetes e construção de ambientes que a eles se associam, enunciar sensações íntimas que não encontram, na escrita ou fala, tradução correta e precisa. Por ter origem na vontade de expressar estados que não se revelam ao discurso, seus trabalhos designam o ato de desmanche da memória privada dos sentidos, o desejo de alongar o repertório do que pode ser comunicado além do que a linguagem suporta ou permite".
Moacir dos Anjos
Nordestes. São Paulo, Sesc, 1999
Depoimentos
"Em meados de 1997, meu trabalho concentrou-se em torno da elaboração de palavras que definissem sensações, acometimentos que não possuem capacidade de descrição. Agrupadas, estas palavras vêm formando um dicionário. Um dicionário que paradoxalmente, nomeia exatamente o que participa do mundo, sem apresentar-se manifestamente. Para potencializar este desvio, esta tarefa que tangencia o patético, dou a cada uma destas sensações os limites da língua, batizando-as como 'verbos', 'adjetivos', 'substantivos', etc.
Alhime foi concebido como um verbo. Portanto, é indicativo lingüístico de movimento. Toda a sua construção espacial, em forma de instalação, liga-se ao verbete. Liga-se, porém não reduz-se a ele. Parece mais que pavimento o terreno teórico, construído no correr do século que passou, sobre a total impossibilidade de qualquer texto esgotar uma imagem.
Acredito ficar claro ao leitor dos verbetes que sua textualidade é igualmente desviante. ela não descreve algo palpável, detectável. E, vale a pena salientar, não se trata de um esforço estilístico que aproximaria a escritura deles a uma linguagem imigrada da poesia. Há, sim, uma tentativa de descrição objetiva. Descrição que tenta ser o mais ressecada possível, como é característico dos dicionários.
Ocorre que a descrição daquilo que aflora pelas fissuras da linguagem - daquilo que só eclode na brecha aberta entre os significantes em movimento - necessita de uma forma igualmente difusa. o que costumo chamar 'evocação ao patético' é exatamente o próprio ato de nomeação. Ato este que surge como uma tarefa auto imposta, que se desfaz assim que é concluída. Este esforço inútil de objetividade da meu dicionário parece ficar especialmente nítido em alhime.
Conjunto de verbetes elaborados até 2001.
africo. S. m. e f. 1. Linha de forte resistência que localiza-se paralelamente à coluna vertebral, responsável pela ancoragem da fluidez do pensamento em torno de si. 2. Eixo estático que mantém organizadas em distâncias sempre orgânicas e móveis, as diferentes direções do pensamento. 3. Mesmo de grande resistência e de natureza estática esta linha desaparece periodicamente, para logo em seguida ressurgir.
alhime. v. t. d. 1. Ação deliberada de corte em um padrão rítmico constante, presente no entorno. 2. Disseminação de uma freqüência, num contexto impróprio para tal. 3. Tentativa discreta de modificação de uma constante energética, que se mostra consoante, interna e externamente ao indivíduo.
aveclo. S. m. 1. Auto imposição de uma regra, que poderia afastar um coágulo de imagem que interrompe o fluxo natural do indivíduo, prendendo-o no passado e comprometendo-o no futuro. 2. A palavra liga-se a um 'meio' e não a um 'fim'.
loce. Adj. 1. Uma presença nebulosa, dividida em três partes que, tal qual uma capa, envolve o indivíduo. 2. Um corpo de improvável visibilidade, dividido em três partes que, quando chamado através de mavio, provoca estabilidade e clareza naquele que o evoca.
miaflo. S. m. e f. 1. Uma ordem interna que direciona o olhar e as ações corporais para o alheamento. 2. Ordenamento alheio ao indivíduo que, como forma de proteção, acaba por promover uma planificação do olhar, uniformizando semelhanças e diferenças que se expõem à sua frente. 3. Paralisia temporária do gerenciamento das diferenças, acarretando um estado de torpor e ausência de reação.
mavio. S. m. 1. Quando, em geral de olhos fechados, as luzes se apagam e enxerga-se duas linhas paralelas que tendem a se tornar uma. 2. Vê-se o mavio quando deseja-se algo longínquo e, através de meios imateriais, tenta-se alcançá-lo.
nosfate. S. m. 1. Percepção de um dado novo num ambiente, que se mostra exatamente igual ao que sempre foi. 2. Percepção de modificação de um ambiente, através de um elemento qualquer que escapa, que não se mostra. 3. Alteração da percepção de um lugar por saber-se que algo externo a ele, paradoxalmente, o compõe. 4. Turvamento de um ambiente por algo que sabe-se, porém não detecta-se.
vêdo. S. m. 1. União ou fusão dos fatos e das coisas existentes. 2. Ligação entre fatos e coisas regida por algo invisível que promoveria uma ordem totalizada".
Marcelo Coutinho
VERGARA, Luiz Guilherme (org. ). O Artista pesquisador. Texto Luiz Guilherme Vergara. Niterói : MAC, 2001, p. 32.
Exposições Individuais
1997 - Recife PE - Vêdo. Projeto Grupo Camelo, no Instituto de Arte Contemporânea
1998 - Recife PE - Aveclo, na Galeria Vicente do Rego Monteiro
2002 - São Paulo SP - Individual, no Centro Universitário Maria Antonia
Exposições Coletivas
1987 - João Pessoa PB - 2º Salão Municipal, no Núcleo de Arte Contemporânea
1987 - Recife PE - 40º Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco, na Galeria Metropolitana Aloísio Magalhães
1987 - São Paulo SP - A Trama do Gosto: um outro olhar sobre o cotidiano, na Fundação Bienal
1988 - João Pessoa PB - 3º Salão Municipal de Artes Plásticas, no Nucleo de Arte Contemporânea da UFPB - prêmio Archidy Picado
1988 - Olinda PE - 41º Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco, no Centro de Convenções de Pernambuco
1990 - João Pessoa PB - 2ª Arte Atual Paraibana, na Fundação Espaço Cultural da Paraíba
1992 - Recife PE - 43º Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco, no Museu do Estado de Pernambuco
1995 - Salvador BA - 2º Salão MAM-Bahia de Artes Plásticas, no MAM/BA
1997 - Curitiba PR - A Arte Contemporânea da Gravura, no Museu Metropolitano de Arte de Curitiba
1997 - João Pessoa PB - Grupo Camelo, no Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB
1997 - Recife PE - Grupo Camelo, no Mamam
1998 - Fortaleza CE - Ceará e Pernambuco: dragões e leões, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
1998 - Rio de Janeiro RJ - 16º Salão Nacional de Artes Plásticas, no MAM/RJ - premiado
1999 - Recife PE - Arte Contemporânea [2000-1] Pernambuco, no Mamam
1999 - Salvador BA - Arte Contemporânea [2000-1] Pernambuco, no MAM/BA
1999 - São Paulo SP - 26º Panorama de Arte Brasileira, MAM/SP
1999 - São Paulo SP - Nordestes, Sesc/Pompéia
2000 - Fortaleza CE - 26º Panorama de Arte Brasileira, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
2000 - Fortaleza CE - Rumos Itaú Cultural Artes Visuais. Arte Política: Isto são outros 500, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura - MAC/CE
2000 - Niterói RJ - 26º Panorama de Arte Brasileira, no MAC/Niterói
2000 - Recife PE - Rumos Itaú Cultural Artes Visuais. Arte Política: Isto São Outros 500, na Fundação Joaquim Nabuco. Memorial Joaquim Nabuco e Galerias Massanga e Baobá
2000 - Salvador BA - 7º Salão MAM-Bahia de Artes Plásticas, MAM/BA
2000 - São Paulo SP - Investigações. Rumos Visuais 1, no Itaú Cultural
2001 - Niterói RJ - O Artista Pesquisador, no MAC/Niterói
2001 - Porto (Portugal) - 2001 Mistura + Confronto. Projeto Porto 2001 Capital Cultural Européia, na Estação Elétrica do Freixo
2001 - São Paulo SP - 27º Panorama de Arte Brasileira, no MAM/SP
2001 - São Paulo SP - Rede de Tensão, no Paço das Artes
2002 - Curitiba PR - Obras do Faxinal das Artes, no Museu de Arte Contemporânea
2002 - Rio de Janeiro RJ - 27º Panorama de Arte Brasileira, no MAM/RJ
2002 - Rio de Janeiro RJ - Caminhos do Contemporâneo 1952-2002, no Paço Imperial
2002 - Salvador BA - 27º Panorama de Arte Brasileira, no MAM/BA
2002 - São Paulo SP - E(x)tra Bienal, na Extra Arte Contemporânea
Fonte: Itaú Cultural