Luiz Nunes

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Biografia

Luiz Nunes (Rio de Janeiro RJ 19091 - idem 1937)

Arquiteto e urbanista.

Luiz Carlos Nunes de Souza ingressou na Escola Nacional de Belas Artes - Enba, no Rio de Janeiro, em 1926. Como presidente do diretório acadêmico participa da greve de estudantes de 1931, contra a demissão do então diretor, Lucio Costa, e a favor da recondução dos professores por ele contratados na reforma de ensino de 1930. Nunes forma-se em 1933 e desenvolve o projeto de dois edifícios de apartamentos, que são considerados por Lucio Costa obras precursoras do movimento moderno na cidade.2 Transfere-se para o Recife, provavelmente em junho de 1934, contratado pelo governador Carlos Lima Cavalcanti, cuja gestão se distingue pelo investimento em programas de interesse coletivo. Nunes trabalha inicialmente na Secretaria de Viação e Obras Públicas e assume a diretoria da Secção Técnica de Engenharia e Arquitetura - STEA com a incumbência de organizar a produção edilícia do Estado. Nesse período projeta a Escola de Anormais, 1934, para o programa de saúde mental dirigido pelo psiquiatra Ulysses Pernambuco, a Usina Higienizadora de Leite, 1934, para o programa de saúde pública desenvolvido pelos médicos Décio Parreiras e Josué de Castro, e o Hospital da Brigada Militar, 1934.

Em agosto de 1935, a STEA é dividida em diretorias técnicas especializadas, entre elas a Diretoria de Arquitetura e Construções - DAC. Chefiada por Nunes, a DAC aprofunda as iniciativas de racionalização e modernização dos projetos e das técnicas construtivas da STEA, executando uma série de obras, das quais se destacam o Entreposto de Pesca e Mercado de Peixe, 1935 (não construído), o Restaurante Popular Desmontável, 1935, e a Escola Rural Alberto Torres, 1935. No mesmo ano, em Porto Alegre, apresenta o Pavilhão do Estado de Pernambuco na Exposição Comemorativa do Centenário da Revolução Farroupilha, considerada a primeira exposição de arquitetura moderna no Brasil.3

As atividades da DAC são interrompidas em novembro de 1935 sob a suspeita de envolvimento da equipe com o movimento comunista, mas também porque a introdução de métodos de trabalho que incentivam a participação de mestres-de-obra e operários nas decisões de projeto é desaprovada por parte de alguns integrantes do governo por ameaçar hierarquias e poderes vigentes.4 Afastado da DAC, Nunes trabalha como arquiteto autônomo no Rio de Janeiro e publica dois artigos sobre as atividades desenvolvidas no Recife. Reconduzido à DAC por reivindicação de seu corpo técnico, ele reestrutura o órgão visando estender suas atribuições até a elaboração de planos urbanísticos para cidades do interior do Estado. Renomeada como Diretoria de Arquitetura e Urbanismo - DAU, o órgão realiza entre 1936 e 1937 cerca de 30 projetos, dos quais se destacam o Leprosário de Mirueira, o Pavilhão de Verificação de Óbitos e a Caixa d'Água de Olinda, e publica Organização dos Serviços Técnicos Administrativos,5 uma espécie de caderno de encargos para a construção de edifícios públicos. Em novembro de 1937, Lima Cavalcanti é deposto pelo Estado Novo e a DAU praticamente extinta. Nunes retorna ao Rio de Janeiro com tuberculose em estado avançado, falecendo prematuramente, aos 28 anos de idade.

Comentário crítico
Luiz Nunes realiza no Recife, entre 1934 e 1937, uma experiência única no cenário arquitetônico brasileiro. Encarnando a utopia reformadora original do movimento moderno, ele desenvolve com o governo do Estado de Pernambuco uma arquitetura motivada pelo desejo de transformação social e pelo compromisso com a criação de um novo mundo para um novo homem. Nesse sentido, sua atuação é política e extrapola os aspectos técnicos e estéticos da profissão.

A incumbência de organizar os serviços de obras públicas que Nunes recebe em 1934, ao assumir o cargo de arquiteto da Secretaria de Viação e Obras Públicas, ganha corpo com a criação da Diretoria de Arquitetura e Construções - DAC, 1934-1935. Cabe à diretoria centralizar todas as atividades de construção civil do governo, do desenvolvimento de projetos e orçamentos à construção, reforma e manutenção de edifícios estaduais, municipais e particulares, conforme a solicitação das diferentes instâncias de poder e em função do interesse público, passando pela aprovação de todos os projetos a serem construídos com verba estadual. Em sua gestão, Nunes coordena uma série de ações integradas que visam melhorar a qualidade arquitetônica e construtiva dos edifícios estatais e diminuir os gastos públicos com a construção civil. Essas ações vão do investimento no aprimoramento educacional e técnico da mão-de-obra local à introdução de novos métodos, materiais e técnicas no canteiro de obras, da constituição de uma equipe técnica diversificada, formada por arquitetos, engenheiros, projetistas, artistas e operários ao desenvolvimento de projetos executivos completos que privilegiam a racionalidade técnico-construtiva.

O que chama mais atenção na atuação do arquiteto é a organização do trabalho da equipe da DAC, com a participação dos mestres-de-obras e operários nas decisões de projeto, de forma a incorporar o conhecimento do fazer empírico ao conhecimento acadêmico, ou seja, recuperar a unidade perdida entre teoria e prática. De fato, se é perceptível na produção da DAC como a experiência do canteiro de obras ilumina o projeto, apontando soluções técnicas, definindo novos desenhos e formas de representação, é notável também o aperfeiçoamento da mão-de-obra, que passa a compreender não só a linguagem técnica do desenho de arquitetura como também o processo da construção do edifício como um todo. Os compromissos e as atividades desenvolvidos na DAC têm continuidade na Diretoria de Arquitetura e Urbanismo - DAU, ainda que do ponto de vista arquitetônico a sua criação, em 1936, marque o início de uma nova fase.

As obras desenvolvidas entre 1934 e 1935 pela DAC, sobretudo a Escola de Anormais, a Usina Higienizadora de Leite, 1934, e o Hospital da Brigada Militar, 1934, são volumes prismáticos compostos de lajes planas, superfícies lisas sem ornamentação e aberturas horizontais padronizadas, que respondem a necessidades programáticas específicas e revelam a inspiração da arquitetura moderna alemã. A configuração da Escola de Anormais em dois amplos pavilhões interligados por varandas e marquises, por exemplo, segue os preceitos da "École de plein air", que propõem a integração entre espaços internos e externos do edifício. O projeto, como indica o poeta e engenheiro Joaquim Cardozo, remete ao Grupo Escolar Karl-Marx, 1930/1933, do arquiteto francês André Lurçat, construído em Villejuif, França. O projeto do Hospital de Brigada Militar, por sua vez, adota a disposição do programa em blocos em vez de pavilhões, como era defendido pelas correntes mais avançadas de medicina na época. Como na Usina Higienizadora de Leite é perceptível a referência à Bauhaus, sobretudo, aos projetos do arquiteto alemão Walter Gropius.

Durante a construção, o projeto do Hospital da Brigada Militar é bastante modificado, o caráter final da edificação se distancia desse grupo de projetos e se aproxima da Escola Rural Alberto Torres, 1935/1936, que é marcado pelo destaque dado à estrutura de concreto armado. Seguindo os mesmos preceitos de integração dos ambientes da escola com os espaços externos empregados na Escola de Anormais, esse edifício não tem uma composição harmônica, em virtude da articulação entre o bloco principal retangular e o conjunto de rampas de circulação suspensas por tirantes fixos em arcos parabólicos de concreto armado que lembram os projetos do arquiteto franco-suíço Le Corbusier para o Palácio dos Sovietes em Moscou, 1931, e o de Lucio Costa para o Auditório da Universidade do Brasil, 1936. Se neste último edifício o sistema estrutural empregado é composto de estrutura independente e lajes planas de concreto armado, nos projetos anteriores ele se caracteriza pelo emprego simultâneo de alvenaria de tijolos de barro portante, pilares e lajes de concreto armado, indicando a necessidade de adaptar os preceitos da arquitetura moderna às possibilidades técnicas e econômicas locais.

São dessa primeira fase ainda os projetos dos postos policiais e do restaurante popular, cujo interesse se justifica, no primeiro caso pela tentativa de desenvolver uma padronização menos rígida e monótona, mas que garante identidade e ao mesmo tempo economia na construção pela padronização dos ambientes e elementos construtivos e, no segundo caso, pelo desenvolvimento de um edifício desmontável feito com madeira e telha de zinco, tecnologia e materiais disponíveis na época.

Os projetos desenvolvidos pela DAU, 1936-1937, escapam das duras determinações programáticas, técnicas e econômicas da primeira fase da diretoria, ganhando maior expressividade plástica. Essa nítida mudança de orientação é explicada de um lado pela estada de Nunes no Rio de Janeiro, no mesmo ano em que Le Corbusier estava no país em virtude dos projetos para a Universidade do Brasil e o Ministério da Educação e Saúde - MES, 1936/1945, e pela incorporação de dois novos colaboradores, os engenheiros-arquitetos João Correia Lima, Fernando Saturnino de Brito, formados pela Escola Nacional de Belas Artes - Enba. Se os postulados corbusianos da arquitetura moderna - estrutura independente, planta livre, pilotis, teto jardim - são visíveis no Leprosário de Mirueira, no Pavilhão de Óbitos da Faculdade de Medicina e na Caixa d'Água de Olinda, não menos presentes se fazem as referências a Lucio Costa, mais direta no leprosário, cujas edificações seguem o mesmo partido adotado pelo arquiteto no concurso para a Vila Operária Monlevade, Minas Gerais, 1934, indiretas no pavilhão e no reservatório de Olinda, mas perceptíveis na adaptação dos preceitos daquele arquiteto às características técnicas e climáticas locais. Na Caixa d'Água de Olinda, como no projeto de ampliação da Secretaria de Segurança Pública, 1934, aparece o problema da intervenção em sítios históricos, resolvido em ambos os casos com a construção de edifícios modernos de linhas muito sóbrias, que ressaltam a sua singularidade no contexto, numa solução muito diversa da empregada por Oscar Niemeyer (1907 - 2012) no Hotel de Ouro Preto, Minas Gerais, 1940.

A experiência das Diretorias de Arquitetura dirigidas por Nunes não se interrompe com a extinção da DAU pelo Estado Novo, nem mesmo com a morte prematura do arquiteto. Muitos dos arquitetos, engenheiros e projetistas que ali trabalham dão continuidade à obra, contribuindo para a difusão da arquitetura moderna no país, destacando-se o papel de Joaquim Cardozo, do arquiteto paisagista Burle Marx e do engenheiro e urbanista Antônio Bezerra Baltar.

Notas
1  A data e o local de nascimento do arquiteto são controversos. Há autores, como os historiadores da arquitetura Alberto Xavier, Hugo Segawa e Guilah Naslavsky, que afirmam que o arquiteto nasce em 1908 em Belo Horizonte. A arquiteta Rita de Cássia Alves Vaz, entretanto, em seu mestrado afirma que o arquiteto nasce no Rio de Janeiro no dia 31 de julho de 1909, a informação sendo confirmada pela certidão de nascimento do arquiteto.
2  COSTA, Lucio. Depoimento de um arquiteto carioca. In: XAVIER, Alberto (Org.). Lucio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre: Centro de Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962. p. 169-201.
3  CARDOZO, Joaquim. Testemunho dos aspectos socioculturais. (Prefácio). In: BARROS, Souza. A Década de 20 em Pernambuco. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Acadêmica Ltda, 1972. p. 144.
4  NUNES, Luiz. Escola para anormais. Revista da Diretoria de Engenharia. Rio de Janeiro, PDF, v. 3, n. 1, jan. 1936; NUNES, Luiz. Uma diretoria de arquitetura. Revista da Diretoria de Engenharia. Rio de Janeiro, PDF, n.3, mar. 1936. p. 55-60.
5  Organização dos Serviços Técnico-Administrativos. Diretoria de Arquitetura e Urbanismo, Secretaria de Viação de Obras Públicas do Estado de Pernambuco. Recife: Imprensa Oficial, 1937.

Exposições Póstumas

2000 - Valência (Espanha) - De la Antropofagia a Brasilía: Brasil 1920-1950, no IVAM. Centre Julio Gonzáles
2002 - São Paulo SP - Da Antropofagia a Brasília: Brasil 1920-1950, no MAB-FAAP

Fonte: Itaú Cultural