Lina Bo Bardi

Obras de arte disponíveis

Lina Bo Bardi - Igreja

Igreja

aquarela e nanquim sobre papel
32,5 x 50 cm
Leilão de Arte Online

Biografia

Lina Bo Bardi (Roma, Itália 1914 - São Paulo SP 1992)

Arquiteta, designer, cenógrafa, editora, ilustradora.

Após estudar desenho no Liceu Artístico, Achillina Bo Bardi formou-se, em 1940, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma. A faculdade, dirigida pelo arquiteto tradicionalista Marcello Piacentini (1881 - 1960), privilegia uma tendência histórico-classicizante, que Lina chama de "nostalgia estilístico-áulica". Em desacordo com essa orientação valorizada pelo fascismo, predominante em Roma, ela se transfere para Milão, onde trabalha com o arquiteto Gió Ponti (1891 - 1979), líder do movimento pela valorização do artesanato italiano e diretor das Trienais de Milão e da revista Domus. Em pouco tempo ela própria passa a dirigir a revista e a atuar politicamente integrando a resistência à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e colaborando com o Partido Comunista Italiano - PCI, então clandestino.1 Ainda em Milão, funda, ao lado do crítico Bruno Zevi (1918 - 2000), a revista A-Cultura della Vita.

Em 1946, após o fim da guerra, casa-se com o crítico e historiador da arte Pietro Maria Bardi (1900 - 1999), com quem viaja para o Brasil - país no qual o casal decide se fixar, e que Lina chama de "minha pátria de escolha".2 No ano seguinte, Pietro Maria Bardi é convidado pelo jornalista Assis Chateaubriand (1892 - 1968) a fundar e dirigir o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, em São Paulo. Lina projeta as instalações do museu, em que se destaca a cadeira dobrável de madeira e couro para o auditório, considerada "a primeira cadeira moderna do Brasil". Em 1948, funda com o arquiteto italiano Giancarlo Palanti (1906) o Studio d'Arte Palma, voltado à produção manufatureira de móveis de madeira compensada e materiais "brasileiros populares", como a chita e o couro. Sua inserção mais efetiva no meio arquitetônico nacional se dá, inicialmente, pela atuação editorial, quando cria, em 1950, a revista Habitat, que dura até 1954. Projeta em 1951 sua própria residência, no bairro do Morumbi, em São Paulo, apelidada de "casa de vidro", e considerada uma obra paradigmática do racionalismo artístico no país. Esse papel de destaque se completa em 1957, quando inicia o projeto para a nova sede do Masp, na avenida Paulista (completado apenas em 1968), que mantém a praça-belvedere aberta no piso térreo, suspendendo o edifício com um arrojado vão de 70 metros.

Em 1958, transfere-se para Salvador, convidada pelo governador Juracy Magalhães a dirigir o Museu de Arte da Moderna da Bahia - MAM/BA. Na capital baiana, realiza também o projeto de restauro do Solar do Unhão, um conjunto arquitetônico do século XVI tombado na década de 1940 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Sphan, e se relaciona criativamente com uma série de importantes artistas vanguardistas, como o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger (1902 - 1996) e o cineasta Glauber Rocha (1938 - 1981). De volta a São Paulo após o golpe militar, em 1964, incorpora em seus projetos o legado da temporada nordestina na forma de uma radical "experiência de simplificação" da linguagem. Sua obra a partir daí assume contundentemente o caráter do que qualifica como "arquitetura pobre". São exemplares importantes dessa última fase de sua carreira os suportes museográficos da exposição A Mão do Povo Brasileiro, 1969, feitos de tábuas de pinho de segunda; o edifício do Sesc Pompéia, 1977, adaptação de uma antiga fábrica de tambores; e o Teatro Oficina, 1984, construção que dissolve a rigidez da relação palco-platéia pela criação de um teatro-pista, como um sambódromo.

Notas
1 "Aqueles que deveriam ter sido anos de sol, de azul e alegria, eu passei de baixo da terra correndo e descendo sob bombas e metralhas". BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: ______. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p. 11.

2 "Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi esse lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha 'Pátria de Escolha', e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às cidades do Interior e as da Fronteira." BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: ______. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p. 12.

Comentário crítico

Abrangente e interdisciplinar, a atuação de Lina Bo Bardi extrapola os campos da arquitetura e do urbanismo. Estrangeira, compreende a cultura brasileira pelo olhar antropológico, particularmente atento para a convergência entre vanguarda estética e tradição popular. Deixando para trás o "velho mundo", que abandona junto com os sonhos do período pré-guerra, tem a seguinte impressão do Brasil ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 1946: "Deslumbre. Para quem chegava pelo mar, o Ministério da Educação e Saúde avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. Primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Guerra Mundial. Me senti num país inimaginável, onde tudo era possível".1

A formação intelectual de Lina combina o racionalismo estético de Le Corbusier (1887 - 1965) com o pensamento marxista de Antonio Gramsci (1891 - 1937), voltado para a reflexão sobre a dimensão "nacional-popular" da cultura. Esses elementos, presentes também de certa forma no neo-realismo cinematográfico, dão à arquiteta os instrumentos para considerar a cultura popular, abundante no Brasil, como matéria-prima de uma contribuição fecunda à modernidade, porque "seca e indigesta". Por outro lado, Lina não deixa de perceber o quanto o artesanato brasileiro é rudimentar e escasso, e portanto incapaz de promover uma passagem orgânica para o design industrial moderno.

"Esse é o impasse claramente percebido por ela entre os anos 1950 e 1960: sendo mais africano do que europeu, o Brasil é um país onde a seiva da cultura popular não se esterilizou, no contexto do pós-guerra. No entanto, o problema da verdadeira industrialização tinha fatalmente que ser enfrentado, e uma importante escolha histórica estava em via de se realizar: ou essa cultura industrial vindoura incorporaria criativamente o substrato popular, produzindo algo de singular e genuíno, ou realizaria uma abertura indiscriminada e rebaixada à vulgarização dos objetos de consumo, à pasteurização kitsch."2 Constatando, posteriormente, a derrota histórica desse modelo de "formação nacional" idealizado por ela, afirma o seguinte: "O Brasil tinha chegado num 'bívio'. Escolheu a finesse".3 

A temporada passada em Salvador, entre 1958 e 1964, é extremamente profícua tanto para Lina quanto para os jovens artistas baianos. Atraída pelo ambiente de renovação cultural da cidade, em que se combinam a "tensão dos estudantes" e o "caráter fortemente popular da cultura do Nordeste", ela integra um grupo de pensadores vanguardistas estrangeiros responsável por fermentar as revoluções artísticas que ocorrem ali: no cinema, com Glauber Rocha (1938 - 1981), e na música popular, com Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942).4 Para Lina, trata-se de superar a "inércia conservadora do Sul", seu "esnobismo cultural", para encontrar soluções diretas, despidas, próximas à lógica popular. Exemplos felizes dessa "experiência de simplificação" formal e construtiva são a escada de madeira do Solar do Unhão, 1959, em Salvador, que combina uma forma geométrica rigorosa com o sistema de encaixes dos carros de boi, e a "cadeira de beira de estrada", 1967, cujo desenho sintético utiliza apenas três galhos e um tronco. Entram nessa conta seus suportes museográficos para o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, com placas de cristal apoiadas em blocos de concreto, e para as mostras Bahia no Ibirapuera, 1959, e Exposição Nordeste, 1963, cujas bases e vitrines são feitas de caixas de madeira barata, expondo objetos populares na forma de um acúmulo visual. O golpe militar de 1964 interrompe a frágil circunstância política que permite sua atuação na cidade.

De volta a São Paulo, e parecendo reconhecer o obscurecimento de uma via possível de integração entre a tradição popular pré-burguesa e o desenvolvimento industrial, Lina radicaliza o caráter experimental de sua obra, reforçando os laços com a "estética da fome" do cinema novo, e com o sincretismo pop do tropicalismo. Vem daí, também, a admiração devotada ao seu trabalho por parte de alguns arquitetos ligados à revisão crítica do movimento moderno na Europa, como o holandês Aldo Van Eyck (1918 - 1999), destacado integrante do Team X. A rudeza dos acabamentos do edifício do Masp, 1957/1968 (o concreto aparente da estrutura, os painéis-cavalete desglamourizados), expressa a radicalidade dessa nova orientação, que Lina chama de "arquitetura pobre". O que não quer dizer que ela tenha renunciado à exploração da tecnologia industrial em seus projetos. Feito com vigas de concreto protendido, e tendo uma laje inteiramente suspensa por cabos de aço, o edifício do Masp, calculado pelo engenheiro João Carlos de Figueiredo Ferraz, representa por muito tempo o "maior vão livre da América Latina".

No primeiro número da revista Habitat, 1950, fundada e dirigida por Lina, ela elogia a "moral severa" das obras de Vilanova Artigas (1915 - 1985), observando que cada casa projetada pelo arquiteto "quebra todos os espelhos do salão burguês". No seu projeto para o Sesc Pompéia, 1977, adaptando uma antiga fábrica de tambores, a mesma rudeza está presente no desenho do mobiliário, e no contraste entre a madeira desse mobiliário e o concreto bruto da estrutura dos galpões e das novas paredes cegas. E concreto bruto, por sua vez, é amplamente empregado nas duas torres interligadas por passarelas que definem o conjunto esportivo do Sesc, concebido como uma "cidadela" provocativamente "feia": "é um silo, bunker, container", diz ela.5

Na segunda metade dos anos 1980, Lina retorna a Salvador, convidada a conceber um plano de recuperação do centro histórico da cidade. Nessa ocasião, acompanhada de Marcelo Carvalho Ferraz (1955) e Marcelo Suzuki, realiza o projeto da Casa do Benin, no Pelourinho, 1987, e a recuperação das encostas da ladeira da Misericórdia, erguendo contrafortes nitidamente destacados dos muros remanescentes do século XVIII, e utilizando, para as construções novas, painéis leves e pré-moldados de argamassa armada desenvolvidos pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé (1932), em usina local.

A personalidade inquieta e contestadora de Lina não se separa de sua obra. Como define o crítico italiano Bruno Zevi (1918 - 2000): "Lina foi uma herética em vestes aristocráticas, uma esfarrapada elegante, uma subversiva circulando em ambientes luxuosos".6

Notas
1BARDI, Lina Bo. Curriculum literário. In: ______. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p. 12.

2 WISNIK, Guilherme. Lina Bo Bardi - A interpretação cultural do Brasil 'pós-Brasília'. Disponível em: [www.vitruvius.com.br/drops/drops14_03.asp]. Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, 11 jan. 2006.

3 BARDI, Lina Bo. Um balanço dezesseis anos depois [1980]. In: SUZUKI, Marcelo (org.). Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi : Fundação Vilanova Artigas, 1994. p. 13.

4 Ver: RISÉRIO, Antonio. Avant-garde na Bahia. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1995. Os outros estrangeiros listados por Risério são os músicos eruditos Hans Joachim Koellreutter (1915 - 2005), Ernst Widmer (1927 - 1990), Walter Smetak (1913 - 1984), e o professor de literatura Agostinho da Silva (1906 - 1994).

5 BARDI, Lina Bo. Sesc Fábrica da Pompéia. In: ______. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993. p. 230.

6 ZEVI, Bruno. Lina Bo Bardi: un architetto in tragitto ansioso. Caramelo 4 (Lina: Caderno Especial). São Paulo: GFAU, 1992, s/n.

Fonte: Itaú Cultural