Johann Moritz Rugendas (Augsburg, Alemanha 1802 - Weilheim, Alemanha 1858)
Pintor, desenhista, gravador.
Desde criança, exercita o desenho e a gravura com o pai Johann Lorenz Rugendas II (1775 - 1826). Freqüenta o ateliê de Albrecht Adam (1786 - 1862), de 1815 até 1817, quando ingressa na Academia de Belas Artes de Munique. Incentivado pelos relatos de viagem dos naturalistas J. B. von Spix (1781 - 1826) e C. Fr. Ph. de Martius (1794 - 1868) e pela obra de Thomas Ender (1793 - 1875), vem para o Brasil em 1821, como desenhista documentarista da Expedição Langsdorff. Abandona a expedição em 1824, mas continua sozinho o registro de tipos, costumes, paisagens, fauna e flora brasileiros. Segue para Mato Grosso, Bahia e Espírito Santo e retorna ao Rio de Janeiro ainda no mesmo ano. Rugendas não realiza nenhuma pintura a óleo em sua primeira estada no Brasil, privilegia o desenho e ocasionalmente o colore à aquarela. De 1825 a 1828 vive entre Paris, Augsburg e Munique. Nesse período, dedica-se à publicação de sua obra Voyage Pittoresque dans le Brésil. Vai para a Itália em 1828, onde observa novas técnicas. O uso de cores e o esboço a óleo chamam sua atenção. Motivado pelo naturalista Alexander Humboldt (1769 - 1859), Rugendas viaja para o México em 1831, com projeto de viagem pela América com objetivo de reunir material para nova publicação. No México, começa a pintar a óleo, utilizando as técnicas assimiladas na Itália. A partir de 1834, excursiona pela América do Sul, passa pelo Chile, Argentina, Peru e Bolívia. Em 1845, chega ao Rio de Janeiro, onde retrata membros da família imperial e é convidado a participar da Exposição Geral de Belas Artes. No ano seguinte, parte definitivamente para a Europa. Em troca de uma pensão anual e vitalícia, cede sua coleção de desenhos e aquarelas ao Rei Maximiliano II, da Baviera.
Comentário Crítico
Johann Moritz Rugendas pertence à sétima geração de uma família de desenhistas, pintores, gravadores e impressores. É iniciado na atividade artística por seu pai, Johann Lorenz Rugendas II (1775 - 1826), diretor e professor da escola de desenho de Augsburg, ainda criança. Freqüenta o ateliê do pintor acadêmico de batalhas Albrecht Adam (1786 - 1862) até 1817, quando muda para Munique para estudar na Academia de Belas Artes de Munique com Lorenzo Quaglio II (1793 - 1869). A influência do ensino acadêmico será permanente em toda a produção do artista, que tende a valorizar o desenho em suas composições e a representação dos temas segundo a reelaboração ideal e universal da observação do particular.
Em 1821 o jovem artista assina contrato com o cônsul russo Langsdorff para tomar parte em sua expedição científica pelo Brasil como desenhista-ilustrador. Inicia-se assim a obra de um dos principais ilustradores do Novo Mundo no século XIX. Chega ao Rio de Janeiro em 1822, em pleno momento de efervescência política com o processo de independência do país. Problemas de várias ordens retardam por dois anos o início das viagens exploratórias pelo continente brasileiro. Apesar de viver isolado com os outros participantes da expedição na Fazenda Mandioca, de propriedade do cônsul, Rugendas vai constantemente à capital, fazendo amizade com os artistas da Missão Artística Francesa. Nesse período retrata a paisagem natural, a fauna, a flora, os tipos físicos e as vistas da cidade do Rio de Janeiro. Em 1824, partem finalmente em direção a Minas Gerais, passando por São Paulo. Rugendas logo se desentende com Langsdorff e abandona o grupo - posteriormente substituído por Adrien Taunay (1803-1828) e Hercule Florence (1804-1879) -, continuando suas andanças sozinho. Não é conhecido o itinerário exato seguido pelo artista, mas pelos desenhos realizados sabe-se que passa por São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Espírito Santo, Bahia e Pernambuco. Volta ao Rio de Janeiro em 1825, partindo logo em seguida para a Europa com a intenção de publicar o conjunto de desenhos realizados.
Cem litografias com base em desenhos brasileiros de Rugendas são publicadas no volume Voyage Pittoresque dans le Brésil (edição bilíngüe francês-alemão, 1827/1835). Pensado como livro de viagem dirigido ao grande público, conta com a participação de 22 litógrafos e de Victor Aimé Huber na preparação dos textos . Até hoje o livro é considerado um dos mais importantes documentos iconográficos sobre o Brasil do século XIX. Contém as seguintes subdivisões: paisagens, tipos e costumes, usos e costumes dos índios, a vida dos europeus, europeus na Bahia e em Pernambuco, usos e costumes dos negros. Entretanto, é preciso notar que a obra brasileira de Rugendas nem sempre é uma cópia fiel da realidade. As ilustrações de plantas e animais obedecem a um caráter minucioso e objetivo; nesses casos o artista desenha sob a tutela de naturalistas. Com relação às paisagens, Diener fala de "uma imagem fiel do entorno natural", apreendido mais em sua unidade do que nos detalhes. Com exceção, naturalmente, das gravuras em que o litógrafo recria uma outra imagem com base no desenho original (como a prancha Entrada da Barra do Rio de Janeiro gravada pelo artista romântico P. Bonigton). Mas são nas cenas da vida cotidiana da população brasileira da época e nos retratos etnográficos que percebemos o artista empenhado em criar imagens idealizadas, mais programáticas do que reais. Os corpos de negros e índios são representados em estilo clássico, os traços suavizados e europeizados, bem como é amenizada a situação dos escravos (o trabalho é mostrado como atividade quase lúdica em pranchas como Preparação da Raiz de Mandioca e Colheita de Café, por exemplo). Já na época de sua publicação, Voyage Pittoresque recebe críticas por seu caráter pouco documental. Mas alcança êxito junto ao grande público, circulando no Brasil em edição francesa com grande sucesso, talvez por causa da maneira benevolente com que retrata a sociedade oitocentista.
Permanece na Europa até 1831. Consegue o apoio do naturalista, Alexander von Humboldt (1769 - 1859), cuja influência o leva à decisão de tornar-se "o ilustrador dos novos territórios do mundo". Planeja uma segunda viagem ao continente americano (1831 a 1847), passando pelo México, Chile, Peru, Uruguai, Argentina e Brasil. Para levar a cabo essa tarefa, busca aperfeiçoar sua pintura. Familiariza-se com as correntes artísticas avançadas (Neoclassicismo e Romantismo) e permanece uma temporada em Roma estudando. De 1829 até sua partida, pinta telas de temas brasileiros com base em seus desenhos. São espaços idílicos que refletem idéias correntes na época sobre o Novo Mundo como paraíso terreal e habitat do bom selvagem.
O conjunto gráfico e pictórico realizado por Rugendas em seus anos de vivência na América representa um dos materiais fundamentais de conhecimento da sociedade e da paisagem americana no século XIX. Em sua segunda passagem pelo Rio de Janeiro (1845-1846) encontra uma extraordinária acolhida por parte da coroa brasileira, que lhe encomenda diversos retratos. Participa das Exposições Gerais de Belas Artes (1845 e 1846) a convite de Félix Taunay (1795 - 1881). Retorna à Europa sem voltar aos assuntos de sua primeira experiência brasileira. Vende o conjunto de sua obra para Maximiliano II da Baviera em troca de pensão vitalícia, perdendo-a anos depois por não realizar produção pictórica com base em seus trabalhos americanos, tal como havia acordado. Morre em situação financeira não muito favorável e amargurado pela certeza do fracasso artístico.
Críticas
"Humboldt e Martius são referências preliminares para uma primeira aproximação da síntese realizada por Rugendas em seu álbum pitoresco. A viagem de Humboldt e Bonpland à América Latina é de modo geral indissociável da construção da paisagem dos trópicos. Em particular, o modelo do Atlas Pittoresque. Vue des Cordillères et des Monuments du Peuple Indigène de l'America oferece uma solução de concepção científica expressa pela arte (...) Apropriando-se da visão pictórica de matriz científica, recomendada por Humboldt, Rugendas acerca-se do pitoresco, buscando as características regionais do país, que são definidas e se manifestam simultaneamente na conformação geral do solo, no recorte das montanhas com relação à planície, na geologia geográfica, na geobotânica. Seus desenhos têm a capacidade de transformar aspectos físicos em esfera cosmogônica da vida humana. (...) Rugendas afirma nos desenhos uma concepção orgânica da vida em completa interdependência, despreocupando-se da individualização de unidades que formam a paisagem e enfatizando a maneira como se dão no conjunto. (...) Nos desenhos originais de Rugendas transparece o grande gesto que sustenta a visão de conjunto, o modo como primeiro desenha o todo e depois intensifica alguma parte".
Ana Maria de Moraes Belluzzo
BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. O Brasil dos viajantes. São Paulo: Metalivros; Salvador: Fundação Emílio Odebrecht, 1994. v. 1, p. 77. Volume 1: imaginário do novo mundo.
"Rugendas insere-se na história da arte como um dos maiores criadores da iconografia americana, como um pintor versátil, cujo leque temático vai desde os estudos naturalistas da paisagem até as mais sofisticadas composições de tema histórico. Seu conhecimento da América está fundamentado nos vinte anos de viagens, quando percorreu desde o México até o sul do Chile, perfazendo no continente a maior rota realizada por um viajante no século XIX. Ao concluir sua grande viagem americana, Rugendas deu uma mirada retrospectiva no trabalho realizado durante essa etapa fundamental de sua carreira; essa recapitulação autobiográfica se materializou na seleção da pintura a óleo, que apresentou na Exposição Geral de Belas Artes no Rio de Janeiro em 1845. Essa mostra lhe valeu o mais alto reconhecimento público pelo seu trabalho, traduzido na condecoração de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro oferecido pelo Império brasileiro".
Pablo Diener e Maria de Fátima Costa
DIENER, Pablo; COSTA, Maria de Fátima. A América de Rugendas: obras e documentos. Edição Angel Bojadsen, Edilberto Fernando Verza. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p.13-14.
Acervos
Acervo Staatliche Graphische Sammlung Munich - Munique (Alemanha)
Acervo Städtische Kunstsannlungen Augsburg - Augsburg (Alemanha)
Arquivo da Academia de Ciências de São Petesburgo - São Petesburgo (Rússia)
Coleção Brasiliana / Fundação Estudar - São Paulo SP
Coleção Itaú - São Paulo SP
Coleção Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa - Rio de Janeiro RJ
Fundação Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro RJ
Ibero-Amerikanisches Institut, Preussischer Kulturbesitz - Berlim (Alemanha)
Museu de Belas Artes - Caracas (Venezuela)
Museu Histórico de Montevidéu - Cabildo (Uruguai)
Museu Histórico Nacional - Rio de Janeiro RJ
Museu Nacional de Belas Artes - MNBA - Rio de Janeiro RJ
Museu Nacional de Belas Artes - Santiago (Chile)
Museu Nacional de História - Rio de Janeiro RJ
Museum für Völkerkunde, Preussischer Kulturbesitz - Berlim (Alemanha)
Museus Castro Maya - Rio de Janeiro RJ
Palácios e Jardins Estatais - Potsdam-Sanssouci (Alemanha)
Exposições Coletivas
1845 - Rio de Janeiro RJ - 6ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba - recebe a Ordem Imperial do Cruzeiro do Sul
1846 - Rio de Janeiro RJ - 7ª Exposição Geral de Belas Artes, na Aiba
Exposições Póstumas
1948 - Rio de Janeiro RJ - Retrospectiva da Pintura no Brasil, no MNBA
1966 - Austin (Estados Unidos) - Art of Latin America since Independence, na The University of Texas at Austin. Archer M. Huntington Art Gallery
1966 - New Haven (Estados Unidos) - Art of Latin America since Independence, na The Yale University Art Gallery,
1966 - San Diego (Estados Unidos) - Art of Latin America since Independence, no La Jolla Museum of Art
1966 - New Orleans (Estados Unidos) - Art of Latin America since Independence, no Isaac Delgado Museum of Art
1966 - San Francisco (Estados Unidos) - Art of Latin America since Independence, no San Francisco art Museum
1969 - Rio de Janeiro RJ - Rugendas, no MIS/SP
1977 - São Paulo SP - 33 Desenhos Originais de Rugendas: coleção Pirajá da Silva
1977 - São Paulo SP - Individual, na Pinacoteca do Estado
1983 - Recife PE - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala, na Fundação Joaquim Nabuco. Administração Central
1984 - Aracaju SE - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala
1984 - Brasília DF - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala
1984 - Lisboa (Portugal) - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala, no Museu Gulbenkian da Fundação Calouste Gulbenkian
1984 - Salvador BA - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala
1984 - São Paulo SP - Tradição e Ruptura: síntese de arte e cultura brasileiras, na Fundação Bienal
1984 - Vitória ES - 50 Anos de Casa-Grande & Senzala
1985 - São Paulo SP - 100 Obras Itaú, no Masp
1990 - Rio de Janeiro RJ - Rugendas x Fotografia
1990 - São Paulo SP - Rugendas x Fotografia
1990 - Curitiba PR - Rugendas x Fotografia
1990 - Belo Horizonte MG - Rugendas x Fotografia
1990 - Salvador BA - Rugendas x Fotografia
1990 - São Paulo SP - A Coleção de Arte do Município de São Paulo, no Masp
1991 - São Paulo SP - A Mata, no MAC/USP
1992 - Rio de Janeiro RJ - Natureza: quatro séculos de arte no Brasil, no CCBB
1992 - São Paulo SP - O Olhar de Sérgio sobre a Arte Brasileira: desenhos e pinturas, na Biblioteca Municipal Mário de Andrade
1992 - Zurique (Suíça) - Brasilien: entdeckung und selbstentdeckung, no Kunsthaus Zürich
1994 - Lisboa (Portugal) - Rio de Janeiro: capital d'além-mar, no Museu Rafael Bordalo Pinheiro
1994 - Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro: capital d'além-mar, no CCBB
1994 - São Paulo SP - O Brasil dos Viajantes, no Masp
1994 - São Paulo SP - Um Olhar Crítico sobre o Acervo do Século XIX, na Pinacoteca do Estado
1995 - Belo Horizonte MG - Os Herdeiros da Noite: fragmentos do imaginário negro, no Centro de Cultura de Belo Horizonte
1995 - São Paulo SP - O Brasil de Hoje no Espelho do Século XIX: artistas alemães e brasileiros refazem a Expedição Langsdorff, no Masp
1996 - Londres (Reino Unido) - Brazil Through European Eyes, na Christie's
1996 - Rio de Janerio RJ - O Brasil de Hoje no Espelho do Século XIX: artistas alemães e brasileiros refazem a Expedição Langsdorff, na Fundação Casa França-Brasil
1998 - Brasília DF - Brasileiro que nem Eu, que nem Quem?, no Ministério das Relações Exteriores
1999 - Rio de Janeiro RJ - O Brasil Redescoberto, no Paço Imperial
1999 - São Paulo SP - Brasileiro que nem Eu, que nem Quem?, no Museu de Arte Brasileira. Salão Cultural
2000 - Rio de Janeiro RJ - Visões do Rio na Coleção Geyer, no CCBB
2000 - São Paulo SP - Brasil + 500 Mostra do Redescobrimento: Negro de Corpo e Alma e O Olhar Distante, na Fundação Bienal
2000 - São Paulo SP - O Café, no Banco Real
2001 - Rio de Janeiro RJ - Aquarela Brasileira, no Centro Cultural Light
2002 - Niterói RJ - Arte Brasileira sobre Papel: séculos XIX e XX, no Solar do Jambeiro
2002 - São Paulo SP - Rugendas no México, no Memorial da América Latina
2003 - São Paulo SP - Vistas do Brasil: Coleção Brasiliana, na Pinacoteca do Estado
2004 - São Paulo SP - Gabinete de Papel, no CCSP
Fonte: Itaú Cultural