Diógenes Rebouças (Vila de Tartarugas, Amargosa BA 1914 - Salvador BA 1994)
Engenheiro agrônomo, arquiteto, urbanista, pintor e professor.
Diógenes de Almeida Rebouças formou-se em agronomia, em 1933, na Escola Agrícola da Bahia. Muda-se para Itabuna, em 1935, onde constrói a catedral, sua primeira obra de arquitetura, trabalha nas obras de tratamento de água e esgoto da cidade e é responsável pelo desenho da avenida Cinquentenário e de vários jardins. Esses projetos chamam a atenção do encarregado de vistoriar as obras, o engenheiro Mário Leal Ferreira, que o convida a projetar os jardins do Estádio da Fonte Nova, em Salvador. Em visita à obra, Rebouças desaprova a implantação do estádio, tanto do ponto de vista econômico quanto paisagístico, e se encarrega em 1941, pelo desenvolvimento de um novo projeto, que afinal é concretizado. Em 1942, provavelmente por indicação de Ferreira, ingressa no Escritório do Plano Urbanístico da Cidade do Salvador - Epucs, como responsável pelo setor paisagístico. Com a morte de Ferreira, em 1947, assume a coordenação do escritório, e se responsabiliza pelos projetos paisagísticos, urbanísticos e arquitetônicos, como o Hotel da Bahia, 1951, realizado com Paulo Antunes Ribeiro. Concomitantemente participa, com o projeto do Centro Educacional Ribeiro, 1947/1959, do desenvolvimento das "escolas-classe e escolas-parque", idealizadas por Hélio Duarte com base no projeto pedagógico elaborado pelo secretário de Educação e Saúde do Estado, Anísio Teixeira, além de dirigir a execução dos projetos de hospitais e ambulatórios da Companhia Nacional contra a Tuberculose e atuar como consultor técnico, entre 1947 e 1952, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Sphan (atual Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan). Em virtude dos rumos tomados por sua carreira profissional e das limitações impostas pela falta de diploma, ingressa, em 1948, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia - UFBA, e se forma em 1952. No mesmo ano, retorna a UFBA como professor de grandes composições, disciplina pela qual responde até 1984, e abre o próprio escritório de arquitetura, o primeiro do gênero no Estado. Apesar de concentrar suas atividades no escritório, mantém-se vinculado às atividades públicas, assume, em 1954, a presidência da recém-criada seção baiana do Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB e atua como membro do Conselho da Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, de 1968 a 1971. Faz parte do Conselho Estadual de Cultura do Estado da Bahia, entre 1968 e 1979, assessor da Fundação do Desenvolvimento da Região Metropolitana de Recife - Fidem, membro do Conselho de Desenvolvimento Urbano de Salvador, e consultor do Iphan, pela segunda vez, de 1983 a 1991. Dedica-se também à pintura, destacando-se de sua produção as pinturas iconográficas que publica, em 1985, no livro Salvador da Baía de Todos os Santos no Século XIX.
Comentário crítico
A atuação e a obra de Diógenes Rebouças são fundamentais para a afirmação da arquitetura e do urbanismo modernos na Bahia. Sua trajetória, no entanto, é diversa da de outro arquiteto que desempenha o mesmo papel em Salvador, José Bina Fonyat Filho. Diferentemente dele, Rebouças não estuda no Rio de Janeiro nem inicia a sua vida profissional como arquiteto. Formado pela Escola Agrícola da Bahia, em 1933, Rebouças entra em contato com o movimento moderno por meio de revistas de arte e arquitetura. Seu primeiro projeto é feito fortuitamente quando se transfere para Itabuna, Bahia e recebe de sua mãe a encomenda de conceber a catedral da cidade. Empenhado em realizar um projeto atual, que não remetesse aos estilos do passado, Rebouças recorre a revistas, colhendo referências de modernidade que culminam numa obra que o próprio arquiteto reconhece como eclética. O mesmo caráter livresco da catedral está presente no Estádio da Fonte Nova, 1941/1943. Em parecer solicitado pelo engenheiro Mário Leal Ferreira, responsável pela encomenda do projeto a Rebouças, depois de suas críticas ao estádio que então se construía, Affonso Eduardo Reidy pondera que se a implantação é perfeita do ponto de vista do aproveitamento das condições topográficas, do ponto de vista estético o estádio se mostra muito preso àquilo que se publica nas revistas de arquitetura, sugerindo a Oscar Niemeyer, também parecerista do projeto, que assuma o desenho de sua forma externa, o que não ocorre. O parecer coloca Rebouças em contato com esses e outros arquitetos cariocas, com quem mantém um diálogo contínuo que favorece seu amadurecimento como arquiteto. Nos projetos desenvolvidos entre o fim da década de 1940 e a década de 1950, é possível perceber a assimilação dos preceitos corbusianos e da linguagem carioca, seja no emprego da estrutura independente, na exploração plásticas dos brises-soleils, seja na sinuosidade e leveza das formas, mas ao mesmo tempo identifica-se certa invenção, que garante ao arquiteto originalidade em projetos como o Hotel da Bahia, 1947/1951, realizada com Paulo Antunes Ribeiro, e os edifícios Otacílio Gualberto, 1953, e Comendador Salvador, 1959, construídos em Salvador.
Entre 1958 e 1959, Rebouças viaja pelos Estados Unidos e Europa conhecendo a obra de arquitetos e engenheiros como Félix Candela e Píer Luigi Nervi, que se destacam pela invenção de estruturas e coberturas esculturais de concreto armado. Quando retorna a Salvador é chamado para concluir a obra do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, 1947/1956, em que é perceptível o impacto causado por essa viagem. Materialização da proposta de "escolas-classe e escolas-parque", idealizadas por Hélio Duarte com base no projeto pedagógico do educador Anísio Teixeira, o centro é composto de quatro "escolas-classe", que abrigam as salas de aula destinadas ao "ensino de ciências e letras", administração e áreas de estar, e uma "escola-parque", com uma biblioteca infantil e ateliês variados destinados às atividades sociais, artísticas, de trabalho e de educação física.1 Os edifícios projetados por Rebouças buscam uma integração entre as áreas internas e externas, alguns deles, como a biblioteca, destacando-se pela cobertura de concreto plissado, garantindo uma boa iluminação natural, além de um teto lúdico que remete a dobraduras de papel. Nesse edifício a estrutura de concreto armado ganha o peso e a robustez que marcam suas obras a partir da década de 1960, tais como a Escola Politécnica, 1960, a primeira Estação Rodoviária de Salvador, 1961, a Estação Marítima de Salvador, 1962, e a Escola de Arquitetura de Salvador, 1965. Nelas o princípio de independência estrutural ainda está presente, mas com a diferença fundamental de ter alcançado um destaque tal que a arquitetura é definida pela própria estrutura, os demais componentes do edifício perdendo expressividade e importância na composição final. Essa mudança é perceptível não apenas na obra de Rebouças, mas também na de outros arquitetos, como Reidy, Bina Fonyat e Vilanova Artigas no mesmo período. Nas suas obras, contudo, Rebouças não realiza estruturas contínuas de concreto armado que solidarizam pilares, vigas e vedação, como ocorre com os arquitetos citados, mas se mantém fiel ao sistema de vigas e pilares independentes.
Nos anos 1980, Rebouças realiza uma série de intervenções em edifícios históricos, destacando-se a realizada no Solar Berquó, 1983/1988, sobrado nobre do fim do século XVII, tombado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Sphan em 1938. Em sua intervenção, o arquiteto demole todos os elementos acrescidos à edificação no século XIX, redesenha elementos do século XVIII levantados pela prospecção do edifício e projeta nas áreas de apoio uma intervenção moderna. Tal procedimento revela não só a valorização da arquitetura colonial em detrimento da arquitetura neoclássica e eclética do século XIX como também um procedimento de intervenção característico dos arquitetos modernos.
Nota
1 TEIXEIRA, Anísio. Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.31, n.73, jan./mar. 1959. p.78-84. In: Biblioteca Virtual Anísio Teixeira. Disponível em: [http://www.prossiga.br/anisioteixeira/fran/artigos/cecr.htm]. Acesso em: 10 dez. 2007.
Fonte: Itaú Cultural