Artur Pereira (Cachoeira do Brumado MG 1920 - idem 2003)
Escultor.
Nascido em um pequeno distrito do município de Mariana, tem sete irmãos (Dorvalina, Amélia, Maria, Lucília, Geraldo, Abelardo e Rosalina)¹. Suas lembranças são de uma infância difícil: começa ainda criança a trabalhar com o pai e pouco frequenta a escola. O pai, lavrador e vendedor ambulante de panelas de pedra sabão, morre quando Artur Pereira tem entre 15 e 18 anos. A mãe é costureira e trabalha em casa. Quando rapaz, faz pequenos bichos de barro para presépios, os quais, segundo diz, muito agradam às moças do arraial².
Durante a vida, exerce as atividades de lenhador, carvoeiro e, mais tarde, pedreiro e carpinteiro, além de trabalhar na lavoura na época de roça, plantando milho, feijão e arroz. Casa-se com Juvenil dos Reis Pereira, conhecida como dona Fiota. Eles têm cinco filhos. Enquanto mora em um rancho longe da cidade, na época em que trabalha como lenhador, produz gamelas de madeira e, certa vez, esculpe em cedro uma gata que vive com ele. Apesar dos elogios, Artur Pereira deixa de lado a escultura e volta a ela apenas na década de 1960, quando se fixa novamente em Cachoeira do Brumado, depois de aproximadamente 20 anos passados na mata picando lenha e voltando à vila natal no período das chuvas³.
Sempre em cedro, passa a esculpir animais isolados, como boi, onça, cachorro e leão. As peças são pintadas com a tinta que houvesse e as partes do corpo, como membros e patas, são coladas. Em 1968, realiza suas primeiras esculturas de mais de uma figura. Trata-se de conjuntos de animais que, por vezes, incluem também homens, talhados em uma só peça de madeira. Seu primeiro conjunto é uma caçada; o segundo um presépio. Em 1971, vence um concurso de presépios promovido pela Fundação de Arte de Ouro Preto. Suas peças passam a ter maior projeção, sendo vendidas em galerias de diferentes cidades do país. É nesse período que começa a ganhar algum dinheiro com suas esculturas e passa a dedicar-se exclusivamente a isso.
Sua obra é admirada e acompanhada por marchands e artistas, como Amilcar de Castro (1920-2002), Paulo Vasconcellos (1932-2010), César Aché (1953) e Renato Madureira (1960). Em 1989, Artur Pereira tem individual no Espaço Cultural Companhia Vale do Rio Doce, no Rio de Janeiro. Suas peças são apresentadas em coletivas como Brésil, Arts Populaires (Paris, 1987) e Mostra do Redescobrimento (na Fundação Bienal de São Paulo, 2000). Em 2009, o Instituto Moreira Salles faz uma retrospectiva de sua obra, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Comentário Crítico
A obra de Artur Pereira começa a despertar interesse no final da década de 1960. Suas características singulares chamam a atenção de pessoas do meio da arte, sejam colecionadores, marchands ou outros artistas. Ressaltam-se os paradoxos da altivez e singeleza de suas figuras, bem como o caráter indefinido, embora familiar de seus animais. As peças, evidentemente fora do cânone erudito, levam os comentadores e admiradores a tentar entender e situar a obra de Artur Pereira. Busca-se compreender como um homem simples e sem formação artística pode criar obras tão instigantes, que remetem a artistas modernos como Tarsila do Amaral (1886 - 1973)4 e Brancusi (1876 - 1957)5.
Alguns comentadores sugerem a semelhança com o barroco mineiro e as colunas salomônicas de suas igrejas para explicar as soluções do escultor6. De fato, Cachoeira do Brumado é cidade do ciclo do ouro e possui uma igreja barroca, na qual Artur Pereira diz ter ajudado a fazer reparos7.
É fato também que algumas de suas peças, geralmente chamadas de "colunas", possuem uma estrutura semelhante às colunas barrocas. Esculpidas em seções de tronco e esvaziadas em seu interior, suas paredes apresentam espirais de animais em fila e plantas. A escultura é, portanto, vazada, e os animais e as plantas formam uma espécie de renda, pois são contíguos uns aos outros, numa continuidade que revela a interdependência do mundo natural e seus componentes. A crítica de arte, escritora e antropóloga Lelia Coelho Frota as chama de florestas, o que reforça a referência às árvores da vida, feita pelo artista José Alberto Nemer8, e nos remete a um simbolismo que pode ter relação com as colunas barrocas.
Entretanto, essas não são as primeiras peças produzidas por Artur Pereira. As características marcantes de suas obras - singularidade, simplificação, familiaridade e ambiguidade, por exemplo - estão presentes já nos primeiros animais isolados. Esses bichos, como ele os chama, são onças, cachorros, gatos, bois, pássaros etc., mas também podem ser indefinidos, reunindo características de diferentes animais, embora nunca pareçam seres monstruosos ou fantásticos. Independentemente de sua identidade, são estilizados e arredondados e, na maior parte das vezes, claramente formados pela junção de cilindros, apesar de talhados em uma só peça de madeira. Os tamanhos variam, sem haver preocupação com as proporções entre os bichos. O arredondamento é explicado por Frota como decorrente das primeiras esculturas de barro, material que favorece o tratamento curvilíneo9.
Nemer faz referência a Tarsila do Amaral, levantando a hipótese de a relação atávica com a natureza poder explicar esse tratamento10. O crítico Rodrigo Naves destaca o uso do cedro, madeira macia e sem veios, mas também a semelhança com certos objetos artesanais da vida rural, como ex-votos, pilões, rodas dentadas etc.11 Cabe ressaltar que, Artur Pereira também trabalhava com pedra sabão, outro material macio, e que, antes de começar a esculpir, faz gamelas de cedro.
A relação com certos objetos do quotidiano parece significativa, mas não dá conta de todos os trabalhos do artista, como nas esculturas de grupos. Nelas, ou há apenas animais, ou estes são predominantes. Em geral, elas podem ser dividas em galhadas e presépios. As galhadas, como as colunas, deixam evidente a forma inicial da madeira bruta. As figuras acompanham as ramificações da árvore. São peças que por vezes parecem em equilíbrio instável por mostrarem na base bichos menores que sustentam, por exemplo, enormes onças, o que não condiz nem com a realidade, nem com o cânone escultórico. Os presépios tampouco seguem a iconografia cristã tradicional, por trazerem animais que normalmente não estão presentes na cena bíblica e também privilegiarem fortemente os animais em detrimento das figuras humanas. Os presépios, como as galhadas, são talhados em uma só peça de madeira.
Essas peças e as colunas são por vezes relacionadas a certas produções da arte popular, que apresentam uma concepção de mundo particular, entrelaçando aspectos sociais, naturais e religiosos. Isso se mostraria em suas obras como contiguidade e indistinção entre as partes. Entretanto, como mostra Naves, as peças de Artur Pereira mantêm-se sempre entre a interdependência e o isolamento.
O caráter universal se depreenderia da simplificação formal, da ausência de detalhes que contribui para a altivez dos animais. Essas características têm fundamentado leituras mais simbólicas que identificam nas suas obras imagens arquetípicas. Esse tipo de interpretação, de resto, é comum quando se trata da chamada arte popular.
Entretanto, não parece frutífero analisar esses artistas sob o mesmo rótulo genérico de "arte popular," mas antes tentar encontrar em cada um sua singularidade. Para Naves, o interesse e a beleza da obra de Artur Pereira devem-se a certa relação com a natureza e com a própria vida. O efeito final, que permite o estabelecimento de tantas relações com a história da arte, mas não se deixa encaixar nas suas categorias usuais.
Notas
1 Em FROTA, 1978, p. 29, Artur cita sete irmãos. Em NEMER, José Alberto. Artur Pereira: palavras e obras; em NAVES, R. (org.). Artur Pereira: esculturas. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2009, p. 103, ele diz que são sete irmãos, contando com ele e dá a entender que um deles morre cedo.
2 Frota, 1978, p. 30.
3 ACHÉ, César. Sob o olhar da onça, em Pereira, A. Artur Pereira. Rio de Janeiro: Companhia Vale do Rio Doce, 1989.
4 Nemer, op. cit., p. 105.
5 Naves, op. cit., p. 14.
6 Nemer, op. cit., p. 103; Naves, op. cit.; p. 22; Aché, op. cit.
7 Frota, op. cit., p. 30.
8 Frota, op. cit., p. 31 e Nemer, op. cit., p. 110.
9 Frota, op. cit., p. 31.
10 Nemer, op. cit., p. 105.
11 Naves, op. cit., p. 18-19.
Fonte: Itaú Cultural